domingo, agosto 28, 2011

Assim é, se lhe parece

Tragédia e Comédia em um único ato

Cenário: uma banca de jornal no centro de uma cidade.
Personagens: um jornalista que tenta comprar jornais e revistas e um cidadão de meia idade que lê as manchetes dos jornais expostos na banca.

Ricardo  Noblat Veja aqui um pouco do seu Curriculo 


Cidadão — Eu acho que conheço o senhor... O senhor é jornalista, não é mesmo?

Jornalista — É, eu sou...

Cidadão — Já vi sua fotografia no jornal...

Jornalista — É, ela já saiu algumas vezes...

Cidadão — Posso lhe perguntar uma coisa?

Jornalista — Veja, eu estou meio apressado... Mas pode perguntar, sim.

Cidadão — Por que os jornais se parecem tanto?

Jornalista — Como?

Cidadão — Por que os jornais são tão parecidos? Por que tratam quase sempre dos mesmos assuntos?

Jornalista — Porque notícias importantes interessam a todos eles. E são publicadas por todos.

Cidadão — E quem decide que uma notícia é importante?

Jornalista — Ora, nós sabemos quando estamos diante de uma notícia importante.

Cidadão — Então são os jornalistas que decidem quando uma notícia é importante?

Jornalista— Bem, digamos que seja...

Cidadão — E se os jornais se parecem tanto é porque os jornalistas pensam da mesma maneira?

Jornalista — Mais ou menos...

Cidadão — Quem compra jornal pensa como a maioria dos jornalistas?

Jornalista — Acho que não. Há pesquisas nos Estados Unidos que provam que não. Mas se compra é 
porque reconhece que os jornalistas sabem em geral escolher bem o que publicam.

Cidadão — Então os jornais vendem cada vez mais?

Jornalista — Não, a maioria dos jornais no mundo vende cada vez menos.
(O cidadão olha o jornalista com ar de espanto e se cala por alguns segundos. Quando vê que o jornalista faz menção de ir embora, retoma as perguntas.)

Cidadão — Por que os jornais têm tantas páginas?

Jornalista — Porque têm muitas notícias e anúncios.

Cidadão — E as pessoas têm tempo para ler tanta coisa?

Jornalista — Não. Cada vez elas têm menos tempo.

Cidadão — E tem aumentado o volume de anúncios nos jornais?

Jornalista — Pelo contrário.

Cidadão — Então por que os jornais não têm menos páginas? Jornalista — Não sei... Mas o senhor está começando a me irritar..
(O cidadão parece claramente confuso. O jornalista se empenha em fazer de conta de que está apenas irritado com tantas perguntas.)

Cidadão — Jornal existe para quê?
 
Jornalista — Para informar as pessoas. Também para instruí-las e diverti-las.

Cidadão — Então tudo o que interessa às pessoas tem no jornal?

Jornalista — Quase tudo. Ou grande parte.

Cidadão — Os jornais publicam muitas notícias sobre política e economia, não é?

Jornalista — Publicam, sim.

Cidadão — Quer dizer que os leitores se interessam muito por elas?

Jornalista — Não, elas despertam cada vez menos interesse. Pelo menos da forma como são escritas ou 
apresentadas.

Cidadão — E que tipo de notícias desperta mais interesse nos leitores?

Jornalista — Notícias sobre temas que afetam mais diretamente a vida deles. Notícias, por exemplo, sobre saúde, educação, sexo, ciência, políticas públicas...

Cidadão — Mas os jornais não estão cheios delas, não é?

Jornalista — É. Não estão...
(A essa altura, o jornalista e o cidadão estão rodeados por meia dúzia de pessoas que passavam por ali e se interessaram pela conversa.)

Cidadão — Os jovens lêem jornais?

Jornalista — Lêem pouco. E cada vez menos.

Cidadão — Mas o que os jornais fazem para atraí-los?

Jornalista — Não fazem muita coisa.

Cidadão — Se não atraírem leitores jovens, no futuro os jornais não terão mais leitores, estou certo?

Jornalista — Está, sim. É mais ou menos isso.

Cidadão — Então a idéia dos jornalistas é acabar com os jornais...

Jornalista — O senhor me desculpe, mas tenho que ir embora.

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